Lei pode afastar empresas de cartões, planos de saúde, consórcios e afins das pequenas cidades

Mudanças na cobrança do ISSQN geram polêmica

A Confederação Nacional do Sistema Financeiro (CONSIF) e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg) acabam de mover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei complementar Nº 157/2016, que transfere a cobrança do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) de um único município para cada um dos 5.570 municípios brasileiros.

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Criada para garantir melhor distribuição de receita entre as diversas cidades do país, com expectativa de aumento de arrecadação, a lei apresenta falhas que, na visão de ambas as entidades, provocará o efeito inverso. Devido aos elevados custos de manter esse recolhimento de imposto em cidades pequenas, que registram menos transações, as empresas tendem a concentrar a oferta de seus serviços nos municípios maiores.

“Entre os serviços que devem desaparecer gradativamente de cidades menores estão os de cartões de crédito e débito, planos de saúde, consórcios, fundos de investimento e arrendamento mercantil”, alerta o presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, José Ricardo Alves. “Estamos à beira de um retrocesso irreparável para os milhões de brasileiros que vivem em cada um dos 2.400 municípios com menos de 10 mil habitantes cada.”

Para garantir a arrecadação do ISSQN da forma que a nova lei estabelece, as empresas teriam de se adequar às milhares de legislações distintas e diferentes alíquotas. Hoje, no Brasil, cada município tem suas próprias regras para recolhimento de imposto, que interferem no prazo de pagamento, modelo de emissões de notas, escrituração fiscal e percentual de cobrança.

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“Em milhares de casos, as empresas teriam de ter um CNPJ registrado em cada município”, destaca Ricardo Vieira, diretor da ABECS, a associação dos meios eletrônicos de pagamentos. “Além de aumento expressivo nos custos necessários para registro da empresa, manutenção de escritório com no mínimo dois funcionários, custas com assessoria contábil e taxa de funcionamento, essa necessidade gera uma enorme ineficiência operacional para as empresas de serviços.”

Impacto financeiro inexpressivo

Se por um lado a nova forma de arrecadar o ISSQN gera ineficiências nas empresas e alto custo operacional, por outro se traduz em aumento insignificante de arrecadação de impostos nas cidades menores. Ou seja, além de não cumprir com seu objetivo principal, ainda tira a competitividade do setor de serviços. Levantamentos realizados pelo economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, apontam que o aumento da arrecadação será de menos de R$ 8 por habitante para os 4.900 municípios com menos de 50 mil pessoas, ou seja, menos de R$ 0,70 per capita por mês para quase 90% do total das cidades brasileiras.

“Na verdade, ocorrerá centralização do recolhimento do ISSQN em São Paulo, que passa a arrecadar cerca de 40% de todo o imposto recolhido no país”, afirma Appy. “A arrecadação adicional estará fortemente concentrada nos trinta municípios mais populosos, que vão ficar com mais de 50% do total”.

Ainda segundo o estudo, os 140 municípios com mais de 200 mil habitantes concentrarão 70% da receita total de ISSQN. Se fecharmos o foco sobre os 17 municípios com mais de um milhão de habitantes, eles abocanharão 45% do imposto recolhido.

Insegurança jurídica

Para a CONSIF e CNseg, outro ponto de atenção na lei aprovada é que ela deixa brechas de interpretação sobre como definir quem são os tomadores de serviços, bem como sobre as bases de cálculo que devem ser consideradas.

Sobre os tomadores de serviço, não fica claro se seriam os usuários finais do serviço ou o contratante. Afinal, há casos em que o prestador de serviço não possui qualquer relacionamento direto com o usuário ou beneficiário final.

Já no caso da definição da base de cálculo, a lei traz margem para que os municípios interpretem como cobrar o imposto. O correto, na visão da CONSIF e CNseg, é que o imposto incida apenas sobre o valor do serviço efetivamente prestado, e não sobre valores recebidos pelos prestadores e destinados à remuneração de serviços conexos prestados por terceiros.

“Qualquer interpretação diferente tende a gerar distorções econômicas relevantes e induzir mudanças nos modelos de negócios das empresas”, destaca Solange Beatriz Palheiro Mendes, presidente da FenaSaúde. “Além disso, os casos já julgados sobre planos de saúde e operações de leasing reforçam a interpretação de que o imposto deve incidir apenas sobre o valor do serviço efetivamente prestado.”

Na visão da CONSIF e da CNseg, o ISSQN é um tributo essencial para o financiamento da educação, saúde, segurança, transporte público e outras atividades dos municípios. “Por isso, defendemos que ele deve ser mantido na forma com a qual é recolhido atualmente”, explica Solange Beatriz. “E para facilitar o processo de arrecadação, estamos desenvolvendo um sistema eletrônico de padrão único em parceria com o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO)”.

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