Argentina: peso tomba novamente

Confira o relatório de Patricia Krause, economista da Coface para América Latina, e compreenda a situação do País vizinho

Com previsão de regressão de -2,4% do Produto Interno Bruto (PIB), a Coface considera a Argentina um país de risco C (alto). Mas afinal, o quê aconteceu?

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O peso argentino (ARS) caiu 19,4% (considerando a taxa spot) na semana passada. A nova queda, desencadeada na quarta-feira, 29 de agosto, ocorreu depois que o presidente Mauricio Macri pediu ao Fundo Monetário Internacional uma liberação antecipada do empréstimo de USD 50 bilhões, para aliviar um mercado em turbulência. O plano, no entanto, saiu pela culatra, pois levantou o alarme sobre a capacidade do governo de cumprir sua obrigação fiscal.

A fim de tentar estabilizar o ARS, em uma nova decisão entre reuniões no dia seguinte, o banco central elevou acentuadamente a taxa básica de juros (a Leliq de 7 dias) em 1.500 pontos-base, alcançando impressionantes 60% ao ano. A moeda continuou, no entanto, a depreciar (-13,4% no dia), apresentando alguma correção apenas na sexta-feira (+ 4,3% no dia).

Por que aconteceu?

A crise cambial foi desencadeada no final de abril de 2018, quando o país foi atingido por uma mudança no humor dos investidores globais em relação aos países emergentes. A Argentina foi atingida devido aos profundos déficits gêmeos. O país registrou um déficit primário de 3,9% do PIB em 2017, enquanto o déficit em conta corrente atingiu 5,3% do PIB no primeiro trimestre de 2018. Paralelamente, o governo aproveitou a ainda abundante liquidez internacional para financiar seu balanço externo. No primeiro trimestre de 2018, a dívida externa subiu para USD 253,7 bilhões, ou 39,9% do PIB, ante 36,6% em 2017 e 32,7% em 2016. Naquela época, os formuladores de políticas anunciaram um empréstimo de três anos de USD 50 bilhões com o FMI e a redução da meta de déficit fiscal para este ano para 2,7% do PIB e para 1,3% em 2019. As medidas ajudaram a conter a queda acelerada da ARS por algum tempo, embora, como ficou claro na semana passada, as dúvidas quanto à capacidade de pagamento do governo não cessaram.

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Em 1º de setembro, o governo divulgou um novo plano de austeridade para alcançar a consolidação fiscal de forma mais rápida. O governo também está assumindo que a economia contrairá 2,4% em 2018 e que permanecerá estável em 2019. A meta fiscal para o próximo ano foi alterada de um déficit de 1,3% do PIB para zero, enquanto para 2020 um superávit de 1% do PIB será perseguido em 2020. Para tentar alcançar os objetivos, o governo anunciou as seguintes medidas:

  • Imposto transitório sobre exportações que durará até 2020. De acordo com o novo imposto, as exportações de bens primários estarão sujeitas a uma taxa de 4 ARS fixa cobrada para cada USD 1, enquanto para todas as outras mercadorias um imposto de 3 ARS será aplicado para cada USD 1 exportado. Nos níveis atuais da taxa de câmbio, representa uma taxa de 10% e 8%, respectivamente. Espera-se que este imposto contribua com 1% do PIB em receitas. No entanto, à primeira vista, não parece bem desenhado, já que uma depreciação adicional reduziria a alíquota do imposto.
  • Adiar a redução dos impostos sobre folha de pagamento prevista para 2019 (0,2% do PIB) para 2020
  • Cortar pela metade o número de ministérios e limitar a contratação do setor público
  • Redução de 0,7% do PIB em gastos de capital, o que levará a um corte de 50% nos investimentos em infraestrutura em 2019
  • Reduzir os subsídios em mais 0,5% do PIB
  • Além disso, o imposto de exportação de 25,5% sobre a soja foi reduzido para 18%, assim como o imposto de 23% sobre os embarques de óleo de soja e farelo de soja. Mas os três produtos também estarão sujeitos à cobrança de 4 pesos por dólar de exportação, elevando o aumento efetivo do imposto sobre a soja e seus subprodutos para 3 pontos percentuais.

Quais os riscos isso implica?

Ontem, os volumes negociados no mercado foram baixos, devido ao dia do trabalho nos EUA. Desta forma, o veredito do mercado sobre o novo plano deve ser dado hoje. Mesmo assim, a impressão inicial não foi muito boa com o declínio adicional do ARS (-4,4%) e do índice de referência do mercado de ações Merval (-1,7%). Os investidores também podem estar aguardando o resultado da reunião entre o ministro da fazenda da Argentina e a equipe do FMI, que será realizada hoje. A aposta é que o país provavelmente obterá alguma concessão do FMI.

O profundo déficit em conta corrente deve ser corrigido automaticamente à medida que a economia entre em recessão, reduzindo drasticamente suas importações. No entanto, a situação fiscal é mais preocupante. A maior parte da dívida pública líquida é dolarizada. Isso significa que a queda da moeda dificulta a capacidade de pagamento do governo. Considerando os atuais níveis da taxa de câmbio, a dívida pública líquida deverá encerrar o ano em 56% do PIB. O governo estima que suas necessidades de financiamento para 2019 são de USD 39,5 bilhões, supondo um orçamento primário equilibrado e que 60% dos títulos do tesouro com vencimento para o resto do ano serão rolados para 2019. Cerca de USD 29,1 bilhões dessas necessidades são pagamentos de juros e capital em dólares americanos e USD 10,4 bilhões são denominados em ARS. Quanto às fontes, o governo buscará USD 23,3 bilhões do setor privado entre o refinanciamento de títulos e letras, cerca de USD 11,7 bilhões do FMI, o que significaria desembolsos totais no próximo ano nas condições atuais do programa e USD 4,6 bilhões de instituições financeiras internacionais que não o FMI.

A partir da perspectiva microeconômica, os riscos aumentaram em ritmo acelerado. O consumo das famílias deve reportar uma desaceleração acentuada, já que a inflação (atualmente em 31,2%) deve deteriorar mais. O governo revisou sua previsão de inflação para o final do ano de 2018 de 15% para 42%. Além disso, as condições de crédito também se deterioraram, com a taxa básica agora em 60% ao ano. Adicionalmente, a forte depreciação cambial também impacta diversos segmentos que dependem de produtos / insumos importados (como eletrônicos ,insumos químicos e bens de capital). Com relação à construção, a mesma também deve ser impactada pela redução anunciada nos investimentos públicos.

O imposto sobre as exportações também deve influenciar o setor agrícola. Levando em conta os valores da balança comercial de 2017, as exportações representaram 9% do PIB da Argentina. Além disso, os bens agrícolas representavam pelo menos 55% do total exportado. Desta forma, o governo está pedindo a cooperação dos agricultores para conter a crise. A safra de trigo já foi plantada, mas agricultores podem atrasar as vendas do grão sob o novo regime fiscal (para especular o valor do ARS). O imposto também pode influenciar a safra de milho no próximo ano, já que os agricultores se preparam para plantar o grão no próximo mês. Na mesma linha, a organização do setor lácteo do país, CIL, também alertou que a taxação das exportações irá agravar as condições já negativas em todo o setor.

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